Val Ivonica (PLD Member)
O TraduShow foi um evento da Universidade Estácio de Sá no Instituto Phorte Educação no dia 25 de março. Voltado principalmente para os alunos da instituição, contou também com a presença de diversos tradutores profissionais.
O professor José Luiz Sanchez abriu o evento explicando de onde veio a ideia do TraduShow: mostrar aos alunos as diversas modalidades de tradução e como as grandes empresas lidam com a tradução de seus conteúdos. Logo ele apresentou os palestrantes e indicou as oficinas de tradução que aconteceriam durante todo dia, paralelamente às palestras:
- Interpretação simultânea, com a professora Marisa Shirasuna
- Tradução técnica do inglês, com a professora Ana Julia Perrotti-Garcia
- Tradução técnica do espanhol, com a professora Simone Resende
- Tradução literária do espanhol, com o professor José Luis Sánchez
- Tradução literária do inglês, com o professor Carlos Irineu
- Legendagem de filmes, com o professor César Alarcón
Infelizmente não participei de nenhuma das oficinas, mas ouvi bons comentários dos participantes sobre a maioria delas.
Depois, o professor Sanchez falou sobre os cursos da Estácio relacionados à área, explicando que a tradução deixou de ser uma atividade de pessoas que falavam mais de um idioma e passou a se profissionalizar após os julgamentos de Nuremberg, quando se viu a necessidade de pessoas especializadas em transpor as informações de um idioma para o outro com maior precisão.
Na segunda metade da abertura, a professora Meritxell Almarza falou sobre os estudos de tradução. Esclareceu que a nossa profissão não é regulamentada e que qualquer pessoa com os requisitos necessários pode atuar como tradutor, mas que os clientes em geral já percebem que, para traduzir, não é preciso apenas conhecer as línguas envolvidas. Os estudos da tradução oferecem informações sobre o funcionamento do mercado, quais as práticas usuais, o que o tradutor pode ou não fazer e como tudo isso nos ajuda a tomar decisões e traduzir com mais segurança. Ou seja, um autodidata demoraria muito mais tempo para aprender tudo isso. Ela enfatizou também que atualmente têm-se dado muito destaque para os estudos descritivos (ou aplicados) da tradução, que priorizam a integração entre prática (mercado) e teoria e a formação de tradutores para o mercado. A professora defende que os cursos universitários precisam acompanhar as tendências do mercado, como a tradução automática e a tradução audiovisual, além de preparar os alunos para os desafios do dia a dia da profissão.
A primeira palestra propriamente dita foi em espanhol, com tradução simultânea em português para os interessados. Francesc Morello falou sobre a iDisc, agência de tradução espanhola. Explicou o tipo de trabalho que fazem e o perfil dos clientes da agência. Em seguida, Meritxell Domingues, também da iDisc, falou sobre tradução automática e pós-edição.
Segundo ela, a finalidade da dupla tradução automática + pós-edição é reduzir custos e acelerar processos, mantendo tanto quanto possível a qualidade do produto final. Os pós-editores devem ser linguistas familiarizados com MT (machine translation) e seus erros mais comuns para detectar e corrigir rapidamente padrões de erro e, assim, melhorar os resultados da MT ao longo do tempo. Tradução e pós-edição exigem abordagens diferentes do linguista; elas envolvem, inclusive, processos cerebrais diferentes. Numa tradução normal, um tradutor profissional produz, em média, entre 2500 e 3000 palavras por dia. Uma pós-edição rápida geralmente é aplicada a textos urgentes, que não serão publicados, para simples entendimento e consumo rápido. Essa modalidade pode render até 10.000 palavras por dia. Na pós-edição de qualidade, o linguista pode produzir até 5.000 palavras por dia de um texto final com qualidade de publicação, tradução correta, terminologia adequada e fluidez.
Meritxell advertiu, porém, que o profissional precisa tomar cuidado com o “peso da mão” na pós-edição para não revisar de menos (under-editing) e, assim, produzir um texto de baixa qualidade, nem perder tempo demais (over-editing) quando seria mais viável traduzir do zero. Meritxell enumerou então diversos problemas e desafios das MTs no mercado, como erros de preposição, palavras mantidas no idioma original, a pouca disponibilidade de alguns pares de idiomas, a dificuldade de estimar a qualidade da MT antes de aceitar o trabalho e o crescente uso dos sistemas de tradução automática grátis sem uma boa revisão antes da entrega. Por outro lado, ressaltou a diversificação do setor de tradução e o aumento da produtividade (e, consequentemente, do faturamento) do tradutor que pós-edita MT.
Oficina de interpretação simultânea, com Marisa Shirasuna
Photo Credit: JulianaTradutora.Wordpress.com
O evento continuou com Tatiana Guedes contando sua experiência profissional até o cargo atual na Expedia. A empresa atua em 37 países no setor de turismo, então traduz conteúdo para muitos idiomas. Mesmo mantendo um departamento interno de tradução, dependendo do tamanho do projeto e/ou da quantidade de idiomas envolvidos, terceirizam para tradutores individuais ou agências de tradução. Tatiana também destacou as diferenças entre internacionalização (i18L), que é a adaptação do conteúdo e da função para mercados internacionais (como feriados, contexto político, adaptação cultural) e localização (L10n), que é a tradução e adaptação linguística do conteúdo para um determinado idioma. Ela terminou citando algumas das funções envolvidas no processo (tradutores, revisores, coordenador linguístico, gerente de projetos, coordenador de recursos) e as principais ferramentas usadas (Studio, SDL World Server, Catalyst e ferramentas próprias).
Na sequência, Peterson Pietro falou sobre o panorama da interpretação de conferências no Brasil. Sua empresa, a MGM, fornece equipamentos para interpretação. Segundo ele, apesar do bom momento dos eventos no Brasil, ainda falta muito conhecimento do mercado. Clientes e mesmo organizadores não costumam conhecer os desafios e particularidades da tradução de eventos, então precisam de consultoria. Citou o exemplo do microfone de lapela, que é ruim por causa do ruído que costumam produzir enquanto o palestrante se movimenta e incomoda muito os intérpretes que o ouvem no fone de ouvido. Ele mencionou também a tecnologia envolvida nesses eventos: a radiofrequência (VHF) é mais usada por ser a mais barata, mas tem muita interferência (limitação da tecnologia). O sigilo também é uma preocupação, porque o sinal “escapa” da sala. A tecnologia de infravermelho restringe o sinal ao ambiente, não tem interferência e, por isso, garante o sigilo da transmissão. A título de comparação, citou que um controle remoto normal tem um LED de infravermelho, enquanto o receptor do equipamento usado no evento tem 168. Como o equipamento é mais caro que o de radiofrequência, poucas empresas no Brasil o usam por causa do custo.
Depois do almoço foi a vez da mesa redonda com os representantes das associações de tradutores. Andréa Negreda explicou que a APIC congrega apenas intérpretes, mas não estabelece preços nem cláusulas de contrato, apenas boas práticas de conduta profissional. Os candidatos precisam ser apresentados por um membro da associação e comprovar experiência (na forma de horas trabalhadas). Paulo Morais, do Sintra, explicou a formação dos preços da tabela de referência do Sindicato e comentou o processo do CADE contra a instituição. Ressaltou também que a colaboração de cada um é importante para a mudança do mercado. William Cassemiro, representante da Abrantes, citou vários benefícios oferecidos pela associação: auxílio funeral, seguro de vida, congresso anual com cabines para treinar intérpretes iniciantes e credenciamento eletrônico, que em 2016 possivelmente será online.
Os três participantes enfatizaram que a formação do tradutor não precisa ser necessariamente acadêmica, mas que os cursos e as especializações são muito importantes. Andréia mencionou também que a APIC pretende entrar em contato com cursos de formação nas áreas de hotelaria, turismo e relações públicas, porque são futuros usuários da interpretação e precisam ser “educados” sobre essa profissão e o mercado.
Na palestra seguinte, Sandra Carvalho contou sua trajetória até chegar na Oracle. Segundo ela, por causa do grande volume de material a ser traduzido e do tempo curto para um produto entrar no mercado, a empresa prefere usar LSPs, que se dividem em MLVs (Multi-Language Vendors) e SLVs (Single-Language Vendors). A demanda por tradutores qualificados é muito grande e o mercado é extremamente competitivo. Para atuar na área de software, o tradutor precisa entender o idioma de origem, dominar o idioma-alvo e ter familiaridade com a tecnologia. Sandra ressaltou que hoje em dia não faltam recursos para aprimorar os idiomas de trabalho e que uniformidade, precisão e estilo técnico na escrita são imprescindíveis. Enfatizou também que bons tradutores sempre terão trabalho. Com relação à qualidade, deve haver um equilíbrio entre produção e a qualidade do material, avaliação constante, revisão, uso do corretor ortográfico e releitura antes da entrega da tradução. Por fim, deu algumas dicas para quem está ingressando na profissão: desenvolver a capacidade gerencial, aprender a negociar com os clientes, determinar preços, definir a capacidade de produção (por hora e por dia), aprender a usar ferramentas de tradução e a organizar o tempo. E lembrou: para se diferenciar no mercado, o tradutor precisa de atualização constante e cultura geral ampla.
A sexta palestra do dia foi minha, falando sobre o memoQ. Expliquei por que é importante e vantajoso usar CAT tools no dia a dia em termos de uniformidade tecnológica e aumento de produtividade e mostrei a interface do programa. Abri um projeto novo, criei uma memória de tradução (TM) nova, importei uma TM existente como faria se um cliente exigisse seu uso, como acontece na maioria dos casos da “vida real”, mostrei como criar, importar e alimentar glossários e sua importância para o controle terminológico e a qualidade geral do produto final, considerando que não é preciso digitar os termos que estão no glossário e, por isso, o risco de erros de digitação ou enganos diminui consideravelmente. Mencionei outros recursos importantes como a digitação assistida (predictive typing) e o LiveDocs, que complementa (e às vezes substitui) o alinhamento de arquivos de referência bilíngues ou mesmo monolíngues. Ressaltei a importância da interoperabilidade e que o memoQ pode abrir arquivos de várias outras ferramentas no mercado. A interoperabilidade também fica evidente na possibilidade de exportação de qualquer tipo de arquivo no formato .rtf bicolunado, que pode ser usado na revisão do texto no Word para aproveitar a correção gramatical, além da ortográfica, e para enviar o texto para um revisor que não use CAT tools. Por fim, mencionei a política de preços da Kilgray, fabricante da ferramenta, e o desconto permanente de 40% para tradutores no Brasil. Após a palestra, a colega Eliane Kanner ganhou uma licença do memoQ ―no segundo sorteio, porque no primeiro quem ganhou fui eu!
A seguir Francesc Morello reassumiu o palco, desta vez para falar sobre gestão de projetos. Segundo ele, um projeto é uma tarefa com início e fim e com um tempo determinado, com uma limitação orçamentária e com recursos humanos e materiais determinados e limitados. Para ter sucesso, um projeto deve equilibrar tempo, recursos e finanças. Essa filosofia se aplica tanto a um tradutor ou a uma equipe de diversos tradutores. Francesc enfatizou as vantagens de conhecer a tecnologia disponível para alocar melhor os recursos disponíveis, tanto com relação aos recursos humanos quanto às ferramentas a usar em cada projeto. Afirmou, ainda, que quem deve ter o controle da situação é o tradutor, não o cliente ou a agência, e que o tradutor não deve ter medo de dizer “não” quando achar que é a melhor opção. Ele, como agência, prefere que o tradutor recuse um trabalho que não se sinta seguro para traduzir com qualidade ou quando não tenha certeza absoluta de conseguir cumprir o prazo, por exemplo, a aceitar qualquer projeto que lhe ofereçam e depois não atender às expectativas do cliente final.
Com relação aos tipos de projetos, ele explica que além dos clássicos existem também os projetos contínuos, que têm uma duração muito maior e exigem recursos especializados para garantir a continuidade e a uniformização. Esse tipo de projeto funciona melhor quando tradutor e revisor, por exemplo, são sempre os mesmos, e o gerente de projetos precisa tomar providências para que as equipes tenham sempre alguém disponível durante férias, feriados e fins de semana. Microprojetos são mais ágeis e exigem cuidados especiais por causa do caráter dinâmico: atualizações diárias, com requisitos que costumam mudar ao longo do tempo porque o cliente final está sempre aprimorando o produto e uma infinidade de arquivos pequenos que dificulta o controle do volume traduzido. Cada tipo de projeto tem características e desafios próprios e o tradutor precisa tentar tirar proveito dessas características sempre que possível. Ele enfatiza que a especialização e certificação, por exemplo, são os diferenciais dos bons tradutores. Em seguida, Francesc falou sobre a norma EN-15038, que regula a produção de traduções, e detalhou que uma certificação também é um excelente diferencial de qualidade para o tradutor ou agência, mas a preferência por uma determinada norma ou certificação pode mudar dependendo do lugar.
Na última palestra do dia, Eduardo Rebordão contou, via Skype, sua trajetória profissional até o cargo de gerente de projetos de uma das divisões da Microsoft, em Redmond, nos Estados Unidos. Falou sobre a empresa, sua motivação, os diversos produtos (tanto com relação a hardware quanto software), as unidades de negócios e a filosofia de que a tecnologia vai transformar o mundo. Segundo ele, a localização dos produtos é chave para a estratégia da empresa porque grande parte da receita empresarial, cerca de 60%, vem de outros mercados que não o norte-americano. São vários milhões de palavras traduzidas ao ano entre software, conteúdo online e marketing, mas é difícil quantificar com exatidão porque estão pulverizadas entre as várias divisões. Essa divisão se faz presente também nos sistemas de gerenciamento de conteúdo para tradução. Para alguns produtos, a localização é feita para mais de 100 idiomas.
Uma coisa que chamou minha atenção em praticamente todas as sessões foi a afirmação categórica de que a especialização é essencial para se diferenciar no mercado e que bons clientes sempre procuram tradutores competentes, logo os bons tradutores sempre terão lugar ao sol. Apesar de ser um evento pequeno, as palestras foram muito informativas e de excelente qualidade. Espero que venham outras edições!
Links para os vídeos de cada palestra:
- Abertura – Meritxell Almarza e José Luis Sánchez
- Tradução automática e pós-edição – Meritxell Dominguez
- A experiência da Expedia – Tatiana Guedes
- A interpretação de conferências no Brasil – Peterso Pietro
- Mesa-redonda de associações de tradutores
- A experiência de tradução na Oracle – Sandra Carvalho
- Introdução ao memoQ – Val Ivonica
- Gestão de projetos e normas de qualidade – Francesc Morello (com interpretação de Marisa Shirasuna)
- A experiência da Microsoft – Eduardo Rebordão
VAL IVONICA é química industrial por formação, tradutora inglês-português há quase 10 anos. Geek assumida, macqueira convertida e fã de tecnologia e novidades. Trabalha quase que exclusivamente com o memoQ, mas usa outras ferramentas dependendo do projeto da vez. Converter arquivos e projetos é uma das especialidades da casa. Começou a palestrar em 2010 e pegou gosto pela coisa.
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