Maria Helena Giordano
Nos dias 26 e 27 de maio de 2017, participei do VIII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Tradutores (ABRATES), evento realizado no Centro de Convenções Rebouças em São Paulo. Dentre muitas palestras interessantes, decidi em ir a uma chamada “Diz a Legenda – Part Deux”, de Luiz Fernando Alves, tradutor com grande experiência profissional em legendagem, localização de games e transcrição.
O palestrante iniciou sua apresentação dizendo que, quando uma legenda não é bem traduzida, a tendência do público em geral é apontar o dedo para o tradutor. Entretanto, vários fatores podem contribuir para essa visão distorcida do público. A fim de esclarecer essa ideia, Luiz Fernando abriu a palestra dando uma visão geral da contextualização cultural da legendagem, resumindo assim a palestra que apresentou no congresso da ABRATES em 2016.
Segundo ele, o mercado de legendagem no Brasil é fragmentado. Entre os maiores usuários de legendagem estão a industria do cinema, os produtores de DVDs e serviços como Netflix e Amazon. De acordo com o diagrama abaixo, o produtor original envia o filme para o distribuidor que, por sua vez, o encaminha para a produtora local ou, às vezes, diretamente para o tradutor freelance. Como alternativa, a produtora local poderá enviar o filme para agências de traduções ou diretamente para o tradutor freelance. Finalmente, as agências de tradução enviam o filme para o tradutor freelance. Entretanto, quanto mais intermediários estiverem envolvidos no processo, menor será o ganho final do tradutor, o que pode afetar a qualidade da legenda. O ideal seria, então, existirem menos intermediários.
Outra questão interessante que Luiz Fernando mencionou, relacionada à qualidade da legendagem, foi a existência do fansubbing, ou seja, legendas de séries feitas por fãs, sem a autorização dos criadores. O termo foi criado para indicar a legendagem de desenhos animados japoneses para o inglês, e esses fãs atuam quando as obras ainda não foram lançadas oficialmente no país-alvo.
Segundo o palestrante, os fansubbers possuem profundo conhecimento das séries, o que muito tradutores às vezes não possuem, e trabalham geralmente mais rápido do que um profissional, produzindo uma alta qualidade proporcionada pela facilidade digital. Por isso, hoje em dia, muitos fansubbers já estão estruturados no trabalho de legendagem e tal fato vem ajudando a moldar o mercado profissional desde os anos 1980.
Em se tratando de apontar o dedo injustamente para o tradutor, o palestrante apontou oito motivos para uma legenda ser considerada ruim, sendo que sete deles não é culpa do tradutor.
- Roteiro sem vídeo
- Vídeo sem roteiro;
- Manual de estilo (palavra escrita e palavra falada, ex.: “ Eu te amo” x “Eu o amo”)
- Prazo curto
- Tradutor não nativo
- Idioma desconhecido pelo marcador
- Revisor/Revisão
- Profissional despreparado (este é o único exemplo de culpa do tradutor)
Por todos os motivos citados acima, podemos concluir que o aparato criado para se obter um lucro maior, mais rapidamente, desqualifica o mercado da legendagem e não oferece as condições necessária para a produção de legendas adequadas.
PHOTO CREDIT: Diagramativo
Para se ter uma legenda de melhor qualidade, o palestrante também ressaltou os fatores que os tradutores devem considerar antes de formular um orçamento ou até mesmo aceitar ou não um projeto:
- Duração do vídeo
- Idiomas envolvidos
- Assunto
- Disponibilidade de roteiro / transcrição
- Data do envio do material e prazo de entrega
- Formato inicial do vídeo
- Formato para a entrega final (legenda queimada)
- Prazo para a conclusão (baseado no prazo de entrega)
Luiz Fernando concluiu que o importante é denunciar as irregularidades. Ele explica que, na maioria das vezes, o tradutor não reclama para não criar conflito ―e desabafar na internet não resolve o problema. O importante seria comunicar-se com os distribuidores.
No final da apresentação, o palestrante forneceu um modelo de orçamento para legendagem, sugeriu uma bibliografia para leitura e ressaltou a importância das denúncias, pois só assim podemos melhorar o mercado de legendagem no Brasil. Por fim, ele salientou mais uma vez que é injusto apontar o dedo para o tradutor quando a legenda não sai corretamente.
Bibliografia sugerida:
- GOROVITZ, Sabine. Os Labirintos da Tradução. UNB, 2006.
- IVARSSON, Jan. Subtitling for the Media: A Handbook of an Art. Transedit, 1992.
- GAMBIER, Yves and GOTTLIEB, Henrik. (Multi) Media Translation: Concepts, Practices, and Research. John Benjamins Publishing Company, 2001.
- CINTAS, Jorge Díaz and REMAEL, Aline. Audiovisual Translation: Subtitling. Routledge, 2014.
- CINTAS, Jorge Díaz. New Trends in Audiovisual Translation. Self-published, 2011.
- CINTAS, Jorge Díaz and ANDERMAN, Gunilla. Audiovisual Translation: Language Transfer on Screen. Palmgrave McMillan, 2009.
MARIA HELENA GIORDANO é tradutora e professora de inglês em Campinas, São Paulo. É formada pelo curso de Pós-Graduação de Tradução da Faculdade Estácio de Sá e membro da Associação Brasileira de Tradutores (ABRATES). No momento, participa do programa de mentoria Caminho das Pedras, organizado pela ABRATES, e é mentorada pela tradutora e membro da PLD Rafa Lombardino.
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