
Sempre digo que entrei no mundo da tradução por amor. Não por amor à tradução, exatamente. Afinal, quando criança, nunca sonhei em ser tradutor e, crescido, formei-me em História. No entanto, sempre gostei de idiomas e, autodidata que sou, aprendi a falar inglês sozinho, graças aos jogos de videogame que sempre me acompanharam. Só que minha motivação era puramente intelectual, não prática.
Eis que entra o amor: namorava uma menina que recebeu uma proposta irrecusável para trabalhar em São Paulo. Eu, por amor, aceitei embarcar junto nessa aventura na metrópole. Chegando lá, precisava arrumar um emprego. Comecei a comprar jornais para procurar, entre os diversos anúncios dos classificados, algum em que me encaixasse minimamente. Vi um anúncio para revisor de textos, mandei um currículo e recebi uma resposta pedindo que fosse até lá fazer uma entrevista.
Imaginava que seria uma agência de publicidade querendo um revisor de português e que eu passaria por uma daquelas dinâmicas de grupo típicas de entrevistas de emprego – até tinha na ponta da língua a resposta “abelha” ou “formiga” para a pergunta sobre qual animal gostaria de ser, já que elas trabalham em equipe. Cheguei lá e nada era o que eu pensava: tratava-se de uma agência de tradução querendo um revisor de traduções e não havia dinâmica alguma, mas vários testes que envolviam traduções, versões e perguntas de múltipla escolha sobre gramática.
Passei no teste e comecei a trabalhar dentro da agência, revisando textos. Foi o melhor início que poderia ter com tradução, pois aprendi tudo que precisava para começar a traduzir, com muito contato com terminologias especializadas e com a ajuda dos meus colegas. Logo comecei a traduzir e cheguei a ser gerente de projetos. Estava tudo ótimo profissionalmente, mas eu e minha namorada terminamos nosso namoro. Voltei a Porto Alegre e passei a trabalhar em casa para a agência, com carteira assinada e tudo. Esse período foi ótimo para que eu criasse uma rotina de trabalho – afinal, precisava acompanhar o horário da agência.
Veio a crise econômica e fui demitido para cortar gastos; queriam continuar trabalhando comigo, então abri uma empresa. Com ela, veio a liberdade de procurar outros clientes, maiores, melhores e mais distantes, e novas experiências dentro do mundo da tradução. E eu lá, aceitando os desafios e cada vez mais apaixonado pela profissão em que havia entrado, meio sem querer, mas de onde não queria sair de jeito nenhum. Sete anos depois, tenho a vida que quero graças à tradução e também sou professor – uma forma bacana de repassar a outras pessoas o que aprendi nesses anos todos.
Tem uma música da Legião Urbana que diz: “Só nos sobrou do amor a falta que ficou”. Para mim, o que sobrou de um amor (aquele, que me fez ir a São Paulo) foi outro amor, pela tradução, e que me faz ir aonde quero.
Valter Mendes Junior é tradutor profissional com nove anos de experiência em tradução técnica, especialmente nas áreas de Tecnologia da Informação/Informática, Ferroviária/Engenharia, Administração e Jogos, nos pares de idioma inglês-português, português-inglês e espanhol-português. É um dos organizadores do Encontro Mensal de Tradutores e Intérpretes de Porto Alegre, já ministrou oficinas de tradução na Amérika das Letras sobre Tradução Técnica e Tradumática e atualmente presta consultoria sobre tradução para tradutores iniciantes e experientes.
*Artigo publicado originalmente no site Multitude e republicado com a permissão do autor.
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